sexta-feira, 11 de junho de 2010

Montagem da peça Neny Hotel Inn comemora dez anos de carreira do dramaturgo.

Sissa Hache



De autoria de Hermano Leitão, Neny Hotel Inn é a mais recente comédia deste dramaturgo paraibano, erradicado há vinte anos em São Paulo. A estréia da montagem no Teatro do Centro da Terra, em 08 de maio deste ano, marcou o aniversário de dez anos da carreira do comediógrafo. De forma recorrente, Hermano produz, assina a direção e também atua no espetáculo ao lado de mais dez atores (Alexandre Vargas, Roger Rodrigues, Hermano Leitão, Luana Martins, Neiva Maria, Claudiane Carvalho, Franklin Medeiros, Eiki Sasaki, José Mônaco, Magda Meire e Tiago Malta). Sua estética artística já consolidada revela uma pers onalidade teatral rica em referencias de linguagem e crônica social.



TEXTO

Diante do espetáculo, a primeira reação do público é a admiração ao texto de Neny Hotel Inn, em virtude da extraordinária criatividade, construção dramática despretensiosa e agilidade da trama posta em um único ato. Hermano revelou que nessa obra deixou os personagens “dialogarem” com ele, e compara o processo de criação do texto a um “ataque esquizofrênico”, pois foi o primeiro texto em que “liberou” esse diálogo com eles sem preocupação com a forma, ao contrário dos primeiros em que “inibiu as vozes” e preferiu a pseudo segurança da fórmula cartesiana. Na peça As Mulheres de Cássia, por exemplo, houve um trabalho intelectual sobre o conteúdo das letras das músicas gravadas por Cássia Ell er e a correspondência psicológica dessas escolhas, inclusive com inserção literal de trechos incorporados à fala dos personagens. Igual modelo de criação foi reiterado em Cavalheiros de Shakespeare, em que o dramaturgo colocou em cena o encontro de Hamlet com Iago, mediante a reconstrução da saga pessoal de cada um, com o propósito de Iago, alferes de Othelo, reivindicar a genialidade de seu caráter obscurecido pela fama do Príncipe da Dinamarca.



DIREÇÃO

Aliada à perfeita compreensão do texto, a direção de Hermano Leitão segue igual leveza do texto ao se verem atores vibrantes e ágeis em cena. O diretor explicou que tem por principio o esgotamento da compreensão da dramaturgia a fim de os “interpretes” encontrem a “zona de conforto” na interpretação e, como objetivo final, divirtam-se ou se realizem com a criação de uma obra de arte que eles são os artistas responsáveis. Hermano acredita também no principio do prazer no processo de intermediação entre o texto e o ator, onde o diretor de teatro é um facilitador desse encontro. “O ator não precisa sofrer para criar sua obra de arte, tampouco o diretor tem de ser um carrasco para forçar o artista a expelir uma criação” , explica. Acrescenta ainda que cada ator tem seu próprio processo de criação, e o diretor deve perceber as características dos atores para reunir de forma harmônica os diferentes matizes autorais em uma obra coletiva.



CARICATURA ou TIPOS



Um olhar menos atento aos personagens que desfilam em Neny Hotel Inn pode dar a impressão de que os eles são meras caricaturas, mas a razão de eles ficarem tão impregnados nas impressões prolongadas de quem assiste ao espetáculo é o apoio psicológico utilizado para definir o caráter de cada um. Hermano Leitão revela que aplica os conceitos de “Os Nove Tipos de Personalidade do Eneagrama”, de Claudio Naranjo, que reverbera os arquétipos consagrados por Carl Jung, para adequar personagens com personalidades. O objetivo dessa adequação, segundo o dramaturgo, é realizar a empatia deles com a existência do inconsciente coletivo, que não depende de experiências individuais, como no caso do inconsciente pess oal, mas, sim, das experiências reais, ainda encenadas de forma ficcional, para expressar-se, já que são predisposições latentes, e existem tantos arquétipos quantas as situações típicas da vida.



CENÁRIO NATURALISTA e CONTEÚDO SURREAL



Outra ferramenta recorrente desses dez anos de realização teatral é o confronto entre o conteúdo surreal das situações encenadas com o cenário naturalista. De um lado, a crônica social é apresentada a partir de fatos inusitados ocorridos na vida econômica, política e social mundo afora. Do outro lado, a contextualização desses fatos desloca-se para um ambiente de verossimilhança incontestável. Hermano Leitão afirma que é uma brincadeira de reinventar o teatro do absurdo por meio da confrontação entre a realidade e o inusitado. Ao colocar o personagem Renan do Rego Grande com um chapéu de couro e sandálias franciscanas faz referência - ainda que não se preocupe com a exata percepção do público -, com a polêmica do Deputado Federal que foi ameaçado de sofrer um processo de decoro parlamentar por insistir em usar um chapéu no plenário da Câmara Federal. Há também a situação cômica da personagem Valsinete Bezerra Manha, uma traficante que veio da África – inclusive com um penteado de tribo nigeriana -, que, ao ser perguntada se teria reserva para se hospedar, manda fazê-la imediatamente, ao invés de pedir para fazer o check in.



DEZ ANOS



Depois de assistir Neny Hotel Inn, a impressão mais relevante é o testemunho de uma concepção teatral contemporânea, revigorante e repleta de coragem. Por meio de suas referências diversas, o público sai feliz e com vontade de repetir a experiência de se divertir como se tivesse se hospedado em um hotel muito prazeroso. É a recompensa pela conquista da maturidade intelectual de um dramaturgo que comemora dez anos de dedicação ao teatro. Seu objetivo confesso de investigar os conceitos e os preconceitos elaborados pelo homem lhe rende profundidade e empatia, sobretudo porque se apresenta de forma simples, direta e generosa, porque nos instiga a uma percepção crítica da realidade, a uma contestação do cotidiano, a uma desconf iança de que existe o imperceptível, e porque sua obra carrega um verdadeiro sentimento de humanidade.

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